“Crime e castigo” é, em sua essência mais profunda, um testemunho do fracasso moral da modernidade quando esta rompe com os alicerces da tradição espiritual e da consciência enraizada na ordem moral objetiva. O projeto de Raskólnikov, inspirado por ideias de grandeza pessoal e utilitarismo histórico, desmorona não diante de forças externas, mas sob o peso da sua própria verdade interior, qual seja: Ele matou a si mesmo, não “aquela velha maldita”. Isso expõe o núcleo trágico da modernidade: o sujeito que, ao tentar refazer o mundo segundo esquemas ideológicos, destrói a si próprio.

Dostoiévski não escreve panfletos, mas romances; por isso, fala tão fundo. Ao mostrar que a razão não é tudo, ele reabilita o valor do sentimento moral, da consciência, da experiência interior como fontes legítimas e superiores de conhecimento humano. A vida, para ele, não pode ser reduzida a fórmulas nem dominada por planos friamente racionais. A modernidade pode proclamar autonomia, mas o coração permanece órfão sem o enraizamento na tradição viva.
E ao fim, o que resta é o amor. Não como afeto leve ou paixão inconstante, mas como ato redentor, como entrega no sofrimento. Sonia e Raskólnikov, unidos pela dor e pelo arrependimento, não são arquétipos modernos, mas imagens de uma regeneração que só a tradição religiosa conhece: o amanhecer de uma nova vida, a ressurreição pela total renovação.

Sim, Dostoiévski foi um romancista. Mas não apenas isso: foi um filósofo de altíssimo calibre e um profeta que enxergou com clareza o abismo espiritual cavado por uma razão que, ao perder Deus, perde também o homem. Sua obra permanece como advertência viva: sem consciência, sem sacralidade, sem humildade, toda emancipação é apenas o prenúncio da queda.




