Dostoiévski contra a utopia: a redenção pela consciência e pelo amor

“Crime e castigo” é, em sua essência mais profunda, um testemunho do fracasso moral da modernidade quando esta rompe com os alicerces da tradição espiritual e da consciência enraizada na ordem moral objetiva. O projeto de Raskólnikov, inspirado por ideias de grandeza pessoal e utilitarismo histórico, desmorona não diante de forças externas, mas sob o peso da sua própria verdade interior, qual seja: Ele matou a si mesmo, não “aquela velha maldita”. Isso expõe o núcleo trágico da modernidade: o sujeito que, ao tentar refazer o mundo segundo esquemas ideológicos, destrói a si próprio.

Foto da capa do meu volume da edição de "Crime de castigo" da Editora 34
Foto da capa do meu volume da edição de “Crime de castigo” da Editora 34

Dostoiévski não escreve panfletos, mas romances; por isso, fala tão fundo. Ao mostrar que a razão não é tudo, ele reabilita o valor do sentimento moral, da consciência, da experiência interior como fontes legítimas e superiores de conhecimento humano. A vida, para ele, não pode ser reduzida a fórmulas nem dominada por planos friamente racionais. A modernidade pode proclamar autonomia, mas o coração permanece órfão sem o enraizamento na tradição viva.

E ao fim, o que resta é o amor. Não como afeto leve ou paixão inconstante, mas como ato redentor, como entrega no sofrimento. Sonia e Raskólnikov, unidos pela dor e pelo arrependimento, não são arquétipos modernos, mas imagens de uma regeneração que só a tradição religiosa conhece: o amanhecer de uma nova vida, a ressurreição pela total renovação.

Foto de anotação minha em trecho das páginas finais do meu volume da edição de "Crime e castigo" da Editora 34
Foto de anotação minha em trecho das páginas finais do meu volume da edição de “Crime e castigo” da Editora 34

Sim, Dostoiévski foi um romancista. Mas não apenas isso: foi um filósofo de altíssimo calibre e um profeta que enxergou com clareza o abismo espiritual cavado por uma razão que, ao perder Deus, perde também o homem. Sua obra permanece como advertência viva: sem consciência, sem sacralidade, sem humildade, toda emancipação é apenas o prenúncio da queda.

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Marcos Pena Jr

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